COVID-19: Mulher reconheceu o corpo do marido por videochamada

Katianne dos Santos Palitot, de 41 anos, viveu nos últimos oito dias o que ela chama de “pior experiência da existência [dela]”. A professora perdeu o marido, o servidor público José Dias Palitot Júnior, que morreu na última segunda-feira (30) por coronavírus.

Segundo Katianne, por causa do risco de contágio da doença, ela não conseguiu dar adeus ao companheiro dos últimos 18 anos. O reconhecimento do corpo dele foi feito por videoconferência em um hospital do ABC Paulista.

“A última vez que vi o meu marido foi na ambulância, quando ele foi transferido de um hospital para o outro, no ABC. Ele morreu sete dias depois da internação e eu não pude vê-lo, nem dizer adeus. Até o reconhecimento do corpo foi feito por videochamada. Perdi o grande amor da minha vida sem poder olhar pra ele e nem poder dar adeus”, lamenta a mulher, em prantos.

José Palitot Junior, de 44 anos, morreu uma semana depois de dar entrada no hospital com quadro de muita falta de ar. Ele era funcionário do Tribunal Regional do Trabalho (TRT-2), em São Paulo, e desde o dia 20 de março estava em isolamento domiciliar com a esposa, por causa da pandemia de coronavírus.

Até o dia 23, quando chegou ao hospital Nsa. Sra. Senhora do Rosário, na Vila Maria, Zona Norte da capital paulista, o rapaz tinha sentido poucos sintomas que indicassem um quadro de Covid-19, segundo a companheira dele.

“Como ele já teve bronquite na infância, a gente achou que estava com alguma crise. Porque, dos sintomas iniciais que estavam sendo divulgados sobre o coronavírus, ele não teve febre, não teve tosse seca e nem coriza. A tosse dele tinha muito catarro e a febre chegou só no dia que decidimos correr para o hospital”, conta Katianne.

Transferência

Segundo o relato da mulher, chegando ao hospital, os médicos suspeitaram do quadro de coronavírus porque a tomografia mostrava o pulmão muito comprometido. Palitot foi entubado e o Nsa. Sra. Senhora do Rosário começou o processo de transferência para uma unidade do convênio Notre Dame onde estavam sendo concentrados os casos da doença, já que a unidade de Vila Maria não tinha leito de UTI para pessoas com sintomas de Covid-19.

Depois de muita insistência com o convênio Notre Dame, o funcionário do TRT-2 foi transferido na madrugada seguinte (24) para o hospital Intermédica ABC Paulista, após piora significativa no quadro clínico. No caminho para São Bernardo do Campo, o motorista da ambulância chegou a errar o caminho e ir parar no hospital errado da rede.

“Foi a última que vi meu marido. Ele respirava com ajuda de oxigênio e, chegando ao hospital, fui proibida de ter contato com ele. Os médicos me deram um atestado e também me botaram no isolamento domiciliar, porque tive contato com ele e podia estar contaminada. Meu irmão era quem acompanhava o quadro clínico. Diariamente nós saíamos juntos de carro até o hospital para acompanhar os boletins médicos, que eram dados só uma vez por dia. Com máscara, eu ficava no carro e ele ia conversar com os médicos para saber da evolução do tratamento”, narra Katianne.

Nos dias seguintes à internação no ABC, os médicos diziam que o quadro de José era grave, mas estável, segunda a esposa. O pulmão ainda estava comprometido, mas os outros órgãos, como rins e fígado, funcionavam bem. Entretanto, ao chegarem no hospital na segunda-feira (30), o irmão teve a notícia: José Palitot havia falecido.

“Meu irmão veio ao carro e disse que o médico queria falar comigo e explicar que o quadro de saúde tinha se agravado. No caminho do estacionamento até o hospital, ele foi me contando que o José tinha tido uma parada cardiorrespiratória e morreu. Na hora, dei um grito e não consegui me aguentar nas minhas próprias pernas. Foi a pior notícia da minha vida”, lembra.


Ao chegar dentro do hospital, Katianne, ainda de quarentena e usando máscara, foi recepcionada por um médico aos prantos:

“O médico chorava e dizia que, infelizmente, eu não podia ser abraçada ou consolada porque também podia estar contaminada. Foi uma dor terrível.(…) Fui encaminhada para a sala de uma psicóloga, onde ela dizia que eu precisava me recompor para poder reconhecer o corpo do meu marido. Achei que finalmente poderia me despedir, mas ela disse que não, que ninguém podia ter acesso ao corpo. O reconhecimento foi feito por videochamada. Até o celular do funcionário estava embalado num saco plástico. Só vi o rosto dele e a placa em cima do corpo, com os dados pessoais e a data de nascimento”, relembra Katianne.

Sepultamento

José Palitot Junior foi enterrado nesta terça-feira (31), no Cemitério Jardim da Serra, na cidade de Bragança Paulista. O enterro, segundo a companheira, foi feito com o caixão lacrado e sem a realização do velório.

“A mãe dele, de 82 anos, não pode participar. Foram só eu, meu irmão, as irmãs dele e um amigo. Tudo durou uns dez minutos desde a retirada do caixão do carro e o enterro. Fui a única que pode chegar perto do caixão. Pedi para colocarem uma foto dele pregada, porque nem o rosto do grande amor da minha vida, o homem a quem mais amei no mundo e fui amada, pude ver”, desabafa.

Enquanto o caixão passava por dentro do cemitério, Katianne lembra que os funcionários do Jardim da Serra iam jogando água sanitária no caminho, para desinfetar o trajeto.

Depois do sepultamento, a companheira de José Palitot voltou para o isolamento no imóvel da família na Vila Ede, na Zona Norte da capital paulista. Katianne aguarda o fim do período de quarentena e pede agilidade do hospital Intermédica ABC Paulista para confirmar o quadro de Covid-19 do marido.

Dez dias depois do falecimento dele, os exames para coronavírus ainda não saíram.

“É uma espera angustiante pra mim. Estou destruída. Depois de tanta angústia, ainda estou presa em casa, sem poder fazer as devidas homenagens ao meu marido. Como o meu irmão diz, se a gente soubesse a causa real da morte, se foi por coronavírus ou não, podia viver o luto ao lado da família, rezar uma missa. Mas nem isso temos conseguido”, lamenta a esposa.

Além de bronquite, José Palitot tinha o quadro de diabetes. O atestado de óbito dele, segundo Katianne, foi registrado com a causa da morte a parada cardiorrespiratória, seguida de suspeita de Covid-19, diabetes e obesidade.

Fonte G1