No dia 14 de setembro de 2019, o tenente da Polícia Militar Flávio Gonçalves, de São Paulo (SP), viu sua vida virar de cabeça para baixo. Na data, ele e a enfermeira Jéssica Victor Guedes, 30 anos, grávida na época da primeira filha do casal, subiriam ao altar para oficializar a união. Minutos antes do início da cerimônia, porém, a jovem se sentiu mal e foi levada as pressas ao hospital onde foi constatado que ela teve um AVC hemorrágico, por conta de uma eclâmpsia, complicação da gestação.
Ao chegar à maternidade, Jéssica já não tinha atividade cerebral e foi feita uma cirurgia de emergência para salvar a vida da pequena Sophia, que nasceu de 29 semanas, pesando 1 kg. Desde então, Flávio tem se adaptado a rotina de pai solo com o apoio da família. Em entrevista à CRESCER, ele revela como o relacionamento com a filha tem sido essencial para seguir em frente:
“Faz mais de 10 meses que a Sophia nasceu. Todo mesversário dela é uma mistura de emoções, pois foi tudo no mesmo dia. O dia que seria meu casamento, que deveria ser marcado apenas por uma felicidade imensa, foi quando aconteceu o falecimento da mãe dela, mas também o nascimento da Sophia. Então, vem toda essa carga de sentimentos e me esforço para não passar a parte negativa para ela. Só transmito alegria, motivação e, felizmente, a família da mãe dela é muito próxima e também é assim. Nesse período de pandemia foi muito difícil ficar longe deles.
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A nossa rotina é muito gostosa e tem me trazido muita paz, mesmo durante a quarentena. A Sophia acorda cedo, em torno entre 6h30 e 7h da manhã, e sempre sorrindo, o que é muito engraçado. Não tem como o dia ser ruim. Sempre levo ela na janela pra agradecer o dia, falo como está o clima, peço pra ela olhar as árvores, aponto os passarinhos, brincamos com os cachorros, converso com ela sobre o que estamos fazendo. De manhã assistimos a desenhos e prefiro os que tem música para cantar com ela.
Na parte da saúde, felizmente, tivemos muitas vitórias. Posso dizer que ela venceu a prematuridade, apesar de ainda fazer acompanhamentos com diversos especialistas e tomar um remédio específico para bebês que nasceram muito antes do tempo. O mais difícil ficou para trás. Participo de todas as consultas, e tento ao máximo estimulá-la para que consiga cumprir todos os marcos motores. Ela já senta e consegue ficar fixa de pé. Só orgulho.
No consultório médico, principalmente na hora de tomar vacinas com um profissional que ainda não nos conhece, vem sempre a pergunta: “Cadê a mãe?”. Explico o que aconteceu, o que ainda é um pouco difícil, mas tudo bem. Nunca fomos discriminados, muito pelo contrário, as pessoas são muito solidárias. Os profissionais da saúde depois de ouvirem nossa história sempre nos deram uma atenção especial. Espero que seja assim com qualquer mãe ou pai solo. Outra situação inesperada é quando preciso trocá-la no banheiro e muitas vezes o trocador fica dentro do banheiro feminino. Sempre aviso alguém próximo de que vou entrar com minha filha e a maioria das pessoas é bastante compreensiva. Com a chegada da Sophia um mundo novo se abriu para mim.
Eu, que sou comandante de tropa, estou aprendendo a navegar esse universo de cuidados infantis e percebi que ainda é meio diferente ver um pai tomando conta sozinho da filha. Muitos se perguntam se ele vai ser capaz de dar conta. Será que ele vai precisar de ajuda? Para mim, esses questionamentos mostram um problema de paternidade ausente que vem acontecendo há muitos anos. Pais que abandonam, pais que agridem… Claro que não são todos, mas existe. Então quando o homem assume o papel de cuidador, que é muito bonito, acaba sendo mais valorizado, mas não deveria ser assim. Não me considero fora da curva. Deveria ser algo normal. Felizmente tenho o apoio de amigos e familiares e também de pais e mães que não conheço e entram em contato comigo pelas redes sociais, me motivando a seguir em frente. Isso é muito importante para mim. Gostaria que todos que se dedicam a cuidar das crianças pudessem ter algo assim.
Quando peguei a Sophia pela primeira vez no colo achei que não daria conta, mas fui me adaptando aos poucos e, felizmente, recebi muita ajuda. Acredito que a maior mudança que faremos no mundo é a maneira com que criamos nossos filhos. E se a gente dá amor e afeto, teremos um adulto responsável e com mais compaixão, como o mundo precisa. Na vida, muitas vezes, a gente acredita que não vai aguentar uma perda, que não vai conseguir passar por uma dificuldade, até a gente ser jogado em um problema que precisa superar. Para fazer isso só dando e recebendo muito amor, se apegando a nossa família e a nossa fé. E foi o que aconteceu comigo. A Sophia é esse foco de amor na minha vida e na dos avós dela, por isso que ela encanta a todos com seus sorrisos e jeito de ser.
Pode parecer estranho, mas no começo, cheguei a duvidar do sentimento por ela. É algo tão forte que você fica meio desnorteado e se questiona. Eu não carreguei a Sophia por nove meses na barriga. Durante a gestação o pai é um auxiliador e a protagonista é a mãe. Mas logo depois do parto da criança, nasce um pai também. Ali, ele vai começar a entender esse amor, esse sentimento novo, que vai sendo construído e fortalecido a cada dia. Hoje sou completamente apaixonado pela Sophia e não vejo minha vida sem ela”.
Fonte Globo.com