Por que o ouro voltou à moda

Combinação entre aumento da tensão política e desaceleração da economia aumenta os riscos de inflação, elevando o interesse pelo metal dourado

No início da tarde do dia 25 de julho, uma quinta-feira, oito homens invadiram o terminal da empresa de transporte de valores Brink’s no aeroporto de Guarulhos, região metropolitana de São Paulo. Funcionários da companhia de capital americano se preparavam para embarcar uma carga de 720 quilos de ouro, avaliada em cerca de US$ 35 milhões (R$ 140 milhões) quando foram surpreendidos pelos ladrões. Os meliantes, fortemente armados e tendo feito dois funcionários do aeroporto como reféns, estavam vestidos como agentes da Polícia Federal e dirigiam dois carros com aspecto alterado. A ação ocorreu à luz do dia e durou menos de três minutos.

Devido ao peso da carga, os criminosos usaram uma empilhadeira para colocá-la nos carros clonados da PF antes de fugir. A Brink’s chegou a oferecer uma recompensa de R$ 150 mil para quem tivesse pistas sobre o paradeiro dos criminosos. Não foi divulgado a quem o ouro pertencia. Quatro suspeitos de participar do assalto estão presos, e se tornaram réus no dia 13 de agosto, após a Justiça aceitar denúncias contra eles. Outros dois suspeitos de participação no crime, já identificados pela polícia, ainda estão foragidos.

Há poucos dados sobre o crime, mas é razoável supor que a ação tenha merecido uma longa e minuciosa preparação, com gastos elevados. Os automóveis usados no assalto não foram roubados, mas comprados em nome de laranjas. Tudo isso para roubar algumas centenas de quilos de um metal de pouca utilidade prática. O ouro tem poucos usos industriais, exceto facilitar as conexões de aparelhos eletrônicos e telefones celulares. Também vem sendo menos usado em odontologia, devido ao surgimento de polímeros, mais baratos e fáceis de trabalhar. Mesmo assim, há cerca de 10 mil anos, suas pepitas, posteriormente cunhadas como moedas, vêm fascinando os humanos. E mesmo que o ouro venha sendo menos usado como meio de troca, ele permanece um indicador preciso das expectativas do mercado. Em tempos turbulentos, o ouro recupera seu brilho. É o que vem acontecendo nos últimos dias. Na manhã da quinta-feira 15, o ouro em Nova York estava sendo negociado a US$ 1.517 por onça-troy (31,1 gramas), nível mais alto desde agosto de 2013. No acumulado do ano, o metal já se valorizou 17,2% — sua maior alta anual em cinco anos. E há espaço para bem mais.

RETÓRICA INCENDIÁRIA Apesar de ser um dos investimentos mais tradicionais e menos sofisticados, o ouro ainda funciona bem quando os proprietários do dinheiro temem que seu valor seja corroído pela inflação. É o que está ocorrendo agora. O movimento de valorização do metal começou em maio deste ano. No início daquele mês, Donald Trump elevou o tom de sua retórica, naturalmente incendiária, na condenação das políticas comerciais da China e do México. Trump vinha postergando o anúncio de um aumento das tarifas comerciais a serem impostas sobre os produtos chineses, na expectativa de um acordo. Porém, a demora chinesa em responder irritou o presidente americano. Ele anunciou que não adiaria novamente o aumento de tarifas. A majoração passaria a valer a partir de setembro.


Isso desestabilizou os mercados. Muitos fundos de hedge vinham apostando em um acordo e na continuidade do crescimento econômico acelerado dos dois lados do Oceano Pacífico. As declarações de Trump os fizeram desmontar essas posições e assumir uma estratégia inversa, comprando dólares e ativos reais, como ouro. “Foi como um Dia D”, diz Fernando Bergallo, CEO da intermediadora de negócios de câmbio FB Capital. Segundo Bergallo, a partir desse momento, a liquidez começou a se apertar, sinalizando que os investidores estavam arredios. “A liquidez internacional diminuiu, o que vai afetar os preços dos ativos de todos os países, o Brasil inclusive.” A situação piorou no início de agosto, quando a China desvalorizou sua moeda, permitindo que o dólar subisse acima de sete yuanes. E o golpe final veio na quarta-feira 14, quando a Alemanha divulgou indicadores de que sua economia estava se desacelerando, após vários anos exibindo um crescimento que parecia imune às turbulências globais. O produto interno bruto (PIB) alemão caiu 0,1% no segundo trimestre em comparação com o trimestre anterior. No primeiro trimestre, a economia havia crescido 0,4%, mantendo a economia fora da recessão por pouco.

A causa da desaceleração foi o declínio das exportações alemãs, em especial para a China, que é um parceiro comercial importante da Alemanha. “Esse foi um dos sinais mais preocupantes”, avaliou Andrew Kenningham, economista-chefe da Europa na consultoria Capital Economics em uma entrevista à inglesa BBC. Segundo Kenningham, maior economia da Europa, a Alemanha é o motor que mantém os demais países da Comunidade Europeia em funcionamento. Uma desaceleração alemã pode ter consequências drásticas sobre a região, tornando ainda mais demorada uma recuperação europeia.

Há outros sinais de turbulência no horizonte da Europa. Boris Johnson, o novo primeiro-ministro inglês, que tomou posse no dia 24 julho, vem elevando o tom a favor de um Brexit “sem se, nem mas”. Johnson quer finalizar a desvinculação do Reino Unido da Comunidade Europeia no prazo final de 31 de outubro, ignorando qualquer tentativa de adiamento ou novos acordos. Os desdobramentos poderiam ser desastrosos. A súbita perda de efeito dos acordos comerciais pode, inclusive, levar à escassez de alimentos na Ilhas Britânicas. De qualquer maneira, os preços vão subir, levando à inflação e ao aumento da procura por proteção conta ela, por meio dos investimentos em ouro.



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