Áudios vazados mostram que, sem transparência, Facebook é refém da convicção de Zuckerberg

Os áudios de Mark Zuckerberg obtidos pelo portal The Verge não trazem nenhuma “bomba” contra o Facebook ou contra o presidente da empresa, mas retratam um executivo excessivamente confiante em sua própria visão de mundo. A justificativa? Seus acertos do passado.

Zuckerberg menciona, por exemplo, que perdeu toda a diretoria do Facebook quando recusou a proposta de US$ 1 bilhão feita pelo Yahoo, em 2006, porque eles não concordavam com a postura do criador da rede social. O MySpace era maior e estava crescendo mais, e “um bilhão era muito dinheiro”, então todos achavam a proposta excelente.

Mas o presidente do Facebook avalia que, com a rede social nas mãos do Yahoo, ele próprio seria demitido e ninguém estaria naquela reunião onde o áudio foi gravado. Ou seja, o Yahoo teria destruído o serviço que Zuckerberg, aparentemente graças à sua convicção, conseguiu transformar em uma das empresas mais importantes do mundo.

O problema é que acertos no passado nem sempre servem de bússola para acertos no futuro.

O Facebook de 2019 é bem diferente do Facebook de 2006. Hoje, ele é um serviço cujo direcionamento transforma a vida das pessoas, seja criando ou destruindo oportunidades.

E, para Zuckerberg, a solução de qualquer problema é aparentemente sempre a mesma: confiar mais nele e no próprio Facebook.

Em sua conta pessoal, Zuckerberg confirmou os áudios e se posicionou sobre o vazamento. Ele disse que os áudios fazem parte de uma sessão de perguntas e respostas cujo intuito era ser privada e não publica.

“Agora que está aí, vocês podem ver, se tiverem interesse em uma versão sem filtros, o que eu penso e estou dizendo para os funcionários em um conjunto de tópicos como responsabilidade social, regulação de empresas de tecnologia, [a criptomoeda] Libra, interfaces neurais de computação e fazer a coisa certa, no longo prazo”, escreveu.

Ainda que essa seja uma visão louvável, ela não explica o que é o “certo”. Qualquer mudança adotada por empresas de tecnologia pode desestabilizar criadores de conteúdo e mudar a forma como as pessoas se relacionam com amigos e com os próprios serviços. “O algoritmo” não é uma entidade com vida própria – ele é resultado das decisões de quem os desenvolve. E não dá para falar “na coisa certa” sem explicar quem são os prejudicados.

Menos polícia, mais Facebook

Pela lógica do criador da empresa, é um erro imaginar que a rede social deveria ser quebrada em partes menores (WhatsApp, Instagram e Facebook, por exemplo) para acirrar a concorrência entre serviços on-line. Zuckerberg pensa que é apenas sendo gigante que o Facebook tem capacidade para monitorar ataques e barrar campanhas de desinformação.

Só que essa não é a tarefa do Facebook. Isso é tarefa da polícia e das autoridades de cada país.


Quando tenta ridicularizar o Twitter — dizendo que o investimento em segurança do Facebook é maior que todo o faturamento da concorrente —, Zuckerberg ignora que o Twitter tem sido muito mais transparente que sua própria rede social, permitindo que especialistas, pesquisadores e autoridades saibam como é o conteúdo que está sendo removido.

Isso ajuda a detectar outros ataques e dá visibilidade para o problema.

Enquanto isso, o Facebook tem como política jamais comentar casos específicos, recusando-se a explicar exatamente por que uma página foi removida ou demonstrar como alguma publicação violou suas regras.

Além disso, foi o mesmo Zuckerberg que decidiu que os serviços do Facebook devem usar ainda mais comunicação criptografada, o que na prática vai reduzir a capacidade da rede social de monitorar e bloquear mensagens. Nos áudios, o executivo menciona que as autoridades policiais “não vão se entusiasmar” com essa mudança.

Parece que o executivo sugere para todos nós que é melhor confiar no monitoramento e nas políticas da própria rede social, e não nas instituições democráticas que criamos para cuidar da nossa segurança.

Se é isso que o Facebook pretende, ele precisa ser muito mais transparente. E isso não é necessariamente ruim.

No áudio, Zuckerberg explica que a decisão da rede social de priorizar o conteúdo de amigos foi baseada em pesquisas que mostravam que a interação com amigos tinha uma influência positiva no bem-estar das pessoas.

Porém, nem sempre uma decisão vai alinhar tão bem os interesses dos usuários e do Facebook. Destacar quem vai sair ganhando com algo é ótimo, mas o Facebook poderia começar explicando, por exemplo, como a polícia vai investigar crimes na rede quando ela for criptografada. Daí podemos avaliar se Zuckerberg quer “a coisa certa”.

Fonte G1.com